quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Santa Daniele do Infinito Amor e Ódio ao Próximo


As pessoas se deliciam na dor, seja delas, seja dos outros. Têm uma necessidade de visualizar a morbidez, o sofrimento, a aproximação da morte, da desistência do continuar. Exigem de quem está doente a feição que projete a dor física e emocional, eliminando qualquer possibilidade de continuar a sorrir. 
Pois saibam, meus caros, que o sofrimento é um acontecimento solitário. É um encontro sozinho do "seu eu consigo" (horrível essa colocação), é só o que vc sente, com sua angústia, seus medos, inseguranças, incertezas, dúvidas, novidades, descobertas, desesperos, necessidades, conquistas, suas coisas. Só suas.
Mas mesmo essa solidão, é amenizada pelo círculo de amor que se forma ao nosso redor. Desde que eu me lembre, sou rodeada de muito amor, nasci assim já. Minha vida toda foi repleta dessa proteção, porque não há maior indício da existência de Deus que esse dar e receber amor sem esperar herança. 
E, pensando bem, acho até que foi essa possibilidade que me tornou uma mulher corajosa, fortemente delicada. Não tenho medo de nada, como diz minha filha "tudo o que é de difícil você enfrenta, mãe", mas também não tenho medo de amar imensamente todas as coisas que a vida me oferece. 
Sou assim, intensa, por isso meu câncer eram dois: dois, simultâneos, no ovário e no endométrio, crescendo separadamente, um deles totalmente explícito, me chamando pro pega lá fora, querendo me deter; o outro, escondidinho, na tocaia, prestes a me dar o bote. Foi difícil descobrir, mas existe uma luz divina sobre todas as coisas, menos sobre línguas ferinas. Portanto, cuidado com o que sai da sua boca, cuidado com o que permite que tome conta do seu coração!
Esses dois elementos semi-espertinhos, não conseguiram levar de mim a alegria e a verdade de pessoa que me tornou uma Dani Ricci muito querida (isso mais me parece um personagem do que meu nome), amada e admirada e que oferece aos bons o mesmo amor e bem querer. Basta chegar: esta é uma porta sempre aberta! Mas não traga sua maldade, porque ela não passa nem no vão e para que eu tenha tanto amor, eu também sou feita de um ódio mágico, como coisa de bruxa, que faz com que coisas aconteçam. 
Reparei esses dias em um comercial de TV em que as pessoas se revezavam num subir e descer de escadas que dão em lugar algum e diziam as seguintes frases: "Sonhos não são feitos para passar em branco. Em qualquer parede você pode abrir uma porta. Não desista, nunca!" 
Pensei muito nisso e nas oportunidades que surgem na vida da gente, mas principalmente na forma como encaramos essas chances e, ainda, quem vai estar com a gente nessa jornada. Escolhemos, mas também somos eleitos. E é nessas companhias que daremos colorido aos sonhos, que esculpiremos  buracos e frestas em paredes inteiras para deixar passar nossos sonhos. Ninguém tem o direito, a ninguém se dá o direito de pisar em nossa trajetória. Todo mundo tem direito à boa índole.
O amor que a gente leva, é uma prova da existência real de Deus em nossas vidas. Ele não está esperando por vc no altar, bem como Cristo não está simplesmente sentado à direita do Pai. São metáforas para dizer que o divino vive dentro de nós, portanto cabe a cada um externá-lo, deixar que se torne expressão. A voz do coração tem acesso direto com Deus, é a linha divina da bondade da alma com o dono do universo. 
Não se pode entrar numa fazenda e colher as frutas do pomar sem a permissão do dono. Então, a gente tem que pedir a Deus que nos fortaleça em nossas missões, que nos permita fazer com que aconteçam, que nos mantenha intactos e protegidos diante da maldade. Estou sendo uma ferramenta, da forma como suporto, e embora a abertura na minha parede seja pequena, consigo passar por ela todas as coisas positivas e as pessoas positivas que me rodeiam. Por esse vão, eu sinto a luz entrar e ela é intensa! 
Quem não tem capacidade de amar e respeitar sem dúvidas ou inveja o que não tem a menor noção do que representa, se não consegue ver a luz passar pelas frestas da sua parede, deve recolher-se à insignificância. Quer um conselho? Vai amar!!!
Eu é quem sabe o que está acontecendo, eu sei o tamanho da minha cruz, mas sou forte! Opto por sorrir a todo momento, por estar entre amigos, sem distinção de pessoa, por chorar, me derreter em lágrimas quando estou sozinha, por respirar a vida, seja num campo silencioso, seja numa festa agitada, por  ter um novo e eterno amor no momento pra sempre, por perdoar dívidas antigas, por transformar o verbo em poesia, por fazer da poesia um desabafo, por não me importar se alguém entenderá o que falei, por provar nossos sabores, por lavar minha alma como bem entendo. Mas continuo pagando minhas contas, tomando meu sol, arrumando minha própria cama. 
Não tem nada para dizer, cale sua boca. Não tem nada para doar, ouça e aprenda. Não tem nada para fazer, vá ler um livro... ou este meu blog, que aliás, é bem inspirado. Lave a sua boca ao falar dos outros, lave a boca para falar de mim. Eu sou santa, não sou qualquer mortal cheio de dúvidas e isso não é um sacrilégio. Não creio em pecados. Creio em mim. Respeite minha divindade.

"Santo é o espírito capaz de operar milagres sobre si mesmo." (Viviane Mosé)

sábado, 10 de setembro de 2011

Trânsito sob nova direção

A comida parou na garganta e dividiu lugar com o coração quando aquela voz docinha e desesperada chamou por mim.


_ Mãe, mãeeee!!!! Eu passei, mãezinhaaa!!!

Era minha Mariana, que quase me provocou um enfarte à velocidade aproximada de 100 km por hora em três segundos para me comunicar que é a mais nova motorista habilitada das roads. 


Enquanto eu, tremendo, já fora da faixa, tentava me recompor, engolir a garfada e guiar o coração em sua devida preferencial, ela chorava emocionada do outro lado da linha, contando como havia feito a baliza perfeita. 

A conquista da CNH era o grande desejo de independência de seus 18 aninhos. Há um ano se apossou de uma "bíblia" e vem quitando as prestações do carro usado.  Responsável e determinada como é, do tipo que foca no que quer e não estaciona no tempo, ela fez tudo direitinho e passou de primeira! 

_ Você ta louca, menina??? Quer matar sua mãe? ... (respira, respira... mães italianas são dramáticas)

_ Mãe, eu consegui, to tão felizzzz!!! Agora vou ser independente!!

_ Olha só, Maaa!! (calma, Dani, isso é importante pra ela, engata uma primeira e dá os parabéns)... Parabéns!! Eu tinha certeza que você conseguiria, também to muito felizzzz!! Você merece, minha filha amada!

Depois de desligar – e não conseguir terminar o almoço por causa do susto -, meus pensamentos foram para agradecer e pedir proteção a minha menininha. Os filhos crescem e a gente não percebe o tempo passando e novas asas substituindo as que já existiam.

Não há retorno. Quando se vê, já estão andando; quando se vê, chega o namorado; quando se vê, buzinam em frente de casa.

E junto com as asas, vêm as mudanças de comportamento e de certa forma os pais ganham uma vaga especial para idosos. Nessa minha nova fase de velhinha da Mariana, ganhei um presente. Parece bobo, mas foram palavrinhas que soaram de uma maneira bem gostosa.

_ Mamiii, agora vou te levar pra passear!

Pois a vida é mesmo deliciosa, to pensando aqui, relaxada, em ponto morto... a mãetorista vai virar a carona! Adoro dirigir e dirijo bem, embora meu irmão discorde, como bom irmão que é, mas to adorando a idéia de dar um rolê com minha gatchinha por aí. Quero só pisar no freio na hora de dar palpites, pois essa minha mania de estar quase sempre atrasada me valeu a facilidade pra encurtar o trajeto. Prometo não parecer um GPS.

To pensando quilômetros à frente: adorando a oportunidade de vê-la tomando o rumo, escolhendo a direção, determinando o destino, me levando junto. Essa é outra descoberta que a gente faz: além de novas asas, os filhos dão outro caminho à vida a partir dos 18 anos. Pra gente, resta dar o sinal verde e deixá-los seguir em frente.

Não é só a carta de motorista, mas o vestibular (quer ser psicóloga), a nova casa (se estudar fora, vai ter que viver em outro canto), os amigos (que também agora começam a dirigir e isso gera um certo pânico, ainda mais quando saem da frente de casa deixando o carro morrer ou vão dando tchauzinho e saindo, sem olhar quem vem),  a promoção no trabalho (sim, ela foi efetivada este ano e já promovida... ói como isso abastece a gente de orgulho!!).

Sabe qual minha maior felicidade nisso tudo? É que, independente da direção, mesmo diante de uma bifurcação, fará uma escolha correta, não vai andar na contramão. Não estou sendo guiada pela intuição, é uma certeza! Tenho segurança nisso, minha filha. Porque vc não é apenas uma mulher linda em todos os aspectos, mas uma pessoa de muita qualidade e sabe o quanto isso é importante na condução da própria vida.

Num mundo com tanto o que se lamentar em relação ao ser humano, eu dei à luz uma grande pessoa e só por isso já deveria ter o direito à aposentadoria. Mas essa não está muito longe também, embora eu prefira a renovação. O conta-giro é rápido, principalmente quando os filhos vão tomando o lugar que antes parecia ser mais nosso do que agora.

To vibrando com essa conquista da minha Maria e já contei pra todo mundo, cheia de uma sensação de poder de mãe, que as boas mães não deixam que vire fumaça.

_ E aí, Dani, e a Mari??? ...

_ Tirou carta!!! – falo eu com um sorrisinho pra lá de Monalisa, olhando pra pessoa e esperando os cumprimentos... pra mim, no caso, logicamente, a mãe da moça saudável e inteligente e bonita e motorista, sou eu, que ficava acordada de madrugada quando ela era bebê e agora ficarei até que ouça o carro ser desligado na garagem. Haja combustível!

Minha Ma, que bom que está feliz – mesmo que a foto da carteira, que ainda não chegou, mostre uma carinha de assustada!! Que os caminhos por onde você trafegar, tenham sempre o frescor e o colorido da Primavera e que Deus esteja na direção. A mami, sempre ao seu lado!

Beijão!!


"Mamãe, me empresta o seu carro?"
Nessa hora é preciso ser Flex!


quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Carta de compromisso com a Dra. Daniela Christovam

Olá, Daniela!

Sou a autora do blog Linha na Pipa, de Piracicaba. Gostei muito de ver seu comentário e acho importante a gente botar os "xingamentos" pra fora quando algo tão grave nos incomoda. Sugiro que quando sentir raiva, mande tudo à merda (não ao inferno ao à puta-que-o-pariu), porque da merda, nada volta intacto. É o melhor desabafo, te garanto!!

Estou cansada de imaginar os próximos 40 dias de radio e os prováveis seis meses de quimioterapia que irei encarar a partir do final deste mês. Não deveria, mas é inevitável a pré-ocupação com o próximo período. Posso imaginar o que sente... mas nunca sentirei por vc.

Estou aproveitando o momento para acostumar minha mente a se adaptar ao "um dia de cada vez". Sou fumante, sou repórter (portanto, boêmia/ insone quase que por natureza), sou uma apaixonada pela vida, pelas pessoas, pelas cores e vejo um futuro breve e rápido para tudo isso, porém nada muito colorido. Sou otimista, não sádica.

Tenho muitos amigos especiais comigo e fortaleço minha fé, que acredito, seja o lugar onde não haja espaço para dúvidas, na certeza de que tudo passa e as experiências se renovam a cada novo olhar que lançamos à esperança de vida nova quando acordamos. Um dia de cada vez.

Já notou que recebemos da vida uma nova chance a cada dia? E que a responsabilidade é unicamente nossa ao fazermos as escolhas?

É uma fase difícil e repleta de conflitos, certamente. É um processo muito chato, cansativo, de responder a perguntas e de procurar respostas internas na tentativa de fazer avaliações vãs. Se pensarmos no viver como um todo, todo ele é composto por essas mesmas teses, em diferentes níveis e etapas.

Ontem fui a uma festa com amigos numa chácara e tive a sorte (eu acho uma grande sorte) de ver uma linda estrela cadente. Não é estrela, elas não caem, claro. Mas de criança aprendi (como todos) a fazer um pedido. Pensei: puxa vida, que sorte a minha!!! Puxa, que sorte a minha, vida!!! Obrigada!! Não poderia contar, mas vou dizer a vc bem baixinho: pedi que meu processo de terapia seja leve, maduro e consciente. Mas que seja, especialmente, breve, pois não gosto do que vem por aí, mesmo sabendo da necessidade para se estancar a ferida que se abriu em minha alma de tanta tristeza - e que os amigos, a família, não vêem, porque o amor que tenho recebido deles me impede de esconder meu melhor sorriso, meu maior abraço, minha alegre companhia, minha divertida dose de felicidade em cada momento.

Hoje mesmo pensei sobre as boas coisas que essa vida me proporcionou e, por uma mania boba de criança que a gente tem de eleger três delas, não tenho dúvida de que, dos tantos momentos que tive em meus 38 anos de idade, as melhores foram: 1- o nascimento de minha Mariana, minha verdadeira vida, meu grande amor; 2 - fazer mergulho (sou encantada pelo mar e é fascinante como a gente aprende a deixar de ser tão egoista quando se depara com outras espécies de vida, tão diferentes e tão maravilhosamente instigantes quanto a nossa); 3 - encarar esse desafio da doença, porque descubro e provo diariamente tantas formas de receber amor e cuidado.  Me tornei mais paciente e menos tolerante... mais tolerante e menos inconsciente.

Noto que o grande aprendizado, para mim, para vc, para o lindo do Gianecchini, para nossas famílias e amigos, é permitir que o amor se faça verdadeiro, que a doação seja plena em algum momento e que a dor de nossas almas frágeis e tristes seja substituída por um "não aceito isso e vou me fazer melhor".

Para nós, três estrelas, em especial, o aprendizado passa ainda pelo teste da capacidade maior da sobrevivência: vencer-se a si mesmo e fazer a escolha de quem pode mais.

Estou muito triste por ter que perder meus cabelos, que são bonitos, brilhantes, a moldura do rosto, mas agradeço por ter mãos habilidosas e mente sã para me comunicar com vc, por exemplo. E com quem mais achar que deve ler o que boto pra fora do coração.

Estou fazendo muitos planos, para todos os dias que virão e para os que se renovarão depois desses próximos. Quero usar perucas coloridas, laços e lenços, mas quero não perder a vontade de sair pra ver a rua, as pessoas e desfrutar da beleza das paisagens. Quero não sentir tantas náuseas e tonturas para continuar a escrever alguns textos para este blog. Quero sentir-me disposta para não deixar de falar com uma pessoa muito especial, que tem me feito sentir tão mais feminina e despertado uma paixão deliciosa, que provoca em mim efeitos de felicidade verdadeira ao longo de todo o resto do meu tempo... e torço para que ele também tenha essa disposição. Quero continuar otimista sem contar demais o tempo, só aproveitá-lo como fazem as crianças, para quem 20 anos e 20 moedas não acabam nunca!. Seria cruel demais comigo me ater a pensamentos negativos, embora a vontade às vezes (eu sei, minha amiga) seja de se entregar, desistir, porque parece que não vai acabar nunca!

Fui bailarina e me lembro que quando a sequência de pliês fazia latejar as batatas das minhas pernas, eu contava o tempo de trás para frente e tinha a impressão de que passava mais fácil.

Vamos tentar contar de trás para frente e ver o que acontece, xará, se tudo passa mais rápido e a dor fica mais branda? Vamos contar juntas, porque estou com vc nisso e sou grata a Deus por essa oportunidade. No três, Dani, vamo lá, sem desanimar!!! Três, dois, ummmm.... chegou o dia da nossa cerveja! Faço questão de brindar com vc a alegria de uma nova amizade que surgirá do compartilhar dessa nossa grande experiência!

Que seja leve enquanto dure. Um beijo muito carinhoso pra vc.
Carinho é o que mais a gente quer e merece neste momento.

Dani


OBS: Publico essa carta pra que vc não se esqueça do quanto é importante manter-se firme neste momento para que a gente não quebre nosso compromisso sério de tomar a cerveja. Trincando de gelada, por favor!