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sexta-feira, 6 de setembro de 2019

"Um olhar de cuidado (e amor) para com o outro"

Lembrança de Julho de 2017. Foto: Alessandro Maschio (sempre impecável) 


Formar um filho não é limitar nossos anseios a esse dia lindo da conclusão da faculdade, mas essa (de julho de 2017, há dois anos) é uma das lembranças que mais me emocionam, porque conheço o esforço de minha filha para isso, bem como para tudo o que faz. Minha menina valente!

Eu acredito que nada se faz bem sem amor nessa vida. Nada, nem esfregar roupa. Se você tem a capacidade de olhar com amor para qualquer situação, ela ganha nuances que te permitem descobrir a melhor maneira de lidar. É treino e não é simples, nem fácil e nem quer dizer que eu consiga todos os dias, mas acredito e me esforço.

Meus nonos cuidaram da terra com amor e acariciaram seus filhos com as mãos surradas da lavoura. Meus avós mexeram muito doce na lata que queimava na fogueira de madrugada - a mesma que meu pai cuidava aos 7 anos de idade -, cuidaram da casa de chão de terra batido e ficaram dias e noites no caminhão pelas estradas, longe da família e do descanso de um lar, para que os filhos aprendessem que a distância, a dedicação e o suor do outro são dignos de respeito e que todo o esforço era por amor. Meus pais tiveram que aprender, desde muito cedo, que conquistas são diárias, que dificuldades devem ser as pedras para a construção dos sonhos e fizeram disso o alicerce para o melhor cuidado e conforto que poderiam oferecer a mim e meus irmãos. Quantos das famílias viveram nessas semelhanças!

Eu sei que a vida pode dar e tirar a qualquer instante e isso não nos torna menos merecedores do melhor, da dádiva de acordarmos sob a luz de dias vitoriosos. Minha filha é um resumo tão bom de todas essas pessoas.

Se eu fosse desenhar essa nossa história, seria uma escada para além das nuvens, ela em seus primeiros degraus sendo amparada, incentivada, puxada amorosamente pelas mãos de todos esses agentes da nossa história particular, que inclui outras lindas e importantes narrativas do lado paterno.

Ela é grata pela inspiração para um olhar de cuidado para com as outras pessoas. Isso honra o que acredito como verdadeira formação de um filho. Um olhar amoroso para a vida, seja a de quem for, só se forma dentro de nós a partir do respeito e responsabilidade com o amor que recebemos. Essa sim, é a melhor das lembranças desse momento.

Grande abraço!

Dani

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Um tchau pra Cabrita



Hoje morreu a atriz Márcia Cabrita, aos 53 anos, de um câncer de ovário que enfrentava havia sete. Ela ficou mais conhecida como a Neide Aparecida, a doméstica do programa Sai de Baixo, da Globo.

Quando eu tive a mesma doença descobri seu blog, intitulado Força na Peruca, que me alimentava com esperança e companheirismo (tinha mais gente com os mesmos receios e temores!) e dividíamos esse momento com essa troca. Cheguei a escrever sobre isso aqui, no Linha na Pipa.

Como atriz, seu desejo era ser sensual, mas era mais engraçada e seu sucesso veio com a aceitação de quem ela era de melhor.

Assim se faz o sucesso (não falo de fama, mas de conquistas pessoais): quando a gente ouve nossa voz interior, conversa com ela e a respeita.

Com o câncer não tem muita conversa. É um combate. E não há perdedores, nem mesmo a morte os classifica dessa forma.

Ela se foi, eu superei, superamos de maneiras diferentes.

Não me tornei frágil, nem menos (muito menos) incapacitada para trabalhar, sair, namorar, viver. Ao contrário, sinto-me mais amadurecida e tranquila, tenho mais facilidade para tomar decisões, aceitar opiniões, falar com respeito e calar com sabedoria. Sou uma mulher realizada, com muito sucesso como mãe, filha, irmã, amiga e profissional.

Pode haver quem discorde, mas compreendo e me calo com sabedoria. Cada um sabe o que é melhor para si e às vezes enxergamos o melhor para o outro, que o outro não está vendo sozinho. Para isso, tem a amizade e o amor.

Com carinho pela querida Márcia, compartilho um post do blog dela, bastante pertinente, na minha opinião, como também os outros que ela deixou. Espero que você tenha um tempo para ler.


Como não encher o saco de alguém com câncer


Beijão,

Dani

segunda-feira, 6 de abril de 2015

O sorriso de Palê

Olha a natureza te namorando e você, perfeito nela. Saudades... :)
Não sabemos mais do outro, informação sobre a vida de todos está neste Facebook, o que é tão maravilhoso quanto lamentável, já que um tempo fora daqui pode proporcionar um retorno surpreendente. Minha relação com Palê Zuppani​ veio dessa internet por conta de nossa situação afim e de outras afinidades e paixões, como a fotografia. Dura há pelo menos quatro anos e, nas nossas trocas de mensagens, facilidade pela nossa distância e "confinamento". Eu sempre ria muito com os desabafos dele, a maneira como abordava as barras que enfrentava e, embora eu não gostasse do termo guerreira, vindo dele me soava forte, bem como suas selfies, sempre sorridente e iluminado. "Palê, já reparou que toda foto sua é sorrindo?? Eu sou sua fã pq vc transmite informações importantes, como: "sou receptivo", "sou bom", "eu posso e vc tbm", "sou parceiro", "eu supero". Se eu fosse sua assessora, diria que está se saindo excelente, mas como sou sua amiga, digo que está perfeito!! kkkkkk"... escrevi uma vez.
Eu o admirava cada vez mais, um ser humano repleto de carinho e cuidado com o outro, um ser brilhante para quem não importava a aparência, o social ou quaisquer outras legendas, um humano que mais se identifica com natureza, parecia que falava com pássaros e que as paisagens sorriam para ele, pediam para namorá-lo e era o que ele fazia, jogava seu charme para ela e uma piscadinha de sua câmera para registrar esse encontro. 

Um homem lindo em todos os aspectos, que usou sua dificuldade para ensinar e tive o privilégio de ser uma de suas alunas. Fui ensinada sobre o bem, a paciência, a tolerância, o respeito ao próximo e a valorização de todos os seres. Não sei se aprendi como deveria, creio que este é um caso em que a aluna não supera o mestre, mas certamente algo mudou em minha história de vida. 

Essa pessoa maravilhosa influenciou de uma maneira carinhosamente positiva minhas ações, minha visão de mundo, minha existência por aqui. Com ele, aprendi o que o compositor Jorge Vercilo traduziu: "Aprendi com a dor, nada mais é o amor que o encontro das águas". Um encontro que conduziu Palê como uma constelação no fortalecimento de tantas almas, a quem ele deu voz em sua página Mielodramas, no Facebook. 

E hoje, depois de um bom tempo e dias pensando "Que falta do Palê!", fui buscá-lo e não o encontrei, apenas as tantas e tão boas palavras sobre ele, como tento fazer as minhas agora, consciente que nenhuma delas o identifica de maneira tão justa e profunda.

Cheguei atrasada para chorar essa dor que parece não acabar em mim no momento, lamentar a falta de tempo da gente comemorar toda a nossa recuperação nesse plano. Essa vida e a da falta de tempo que nos leva a refletir tanto num momento deste.

Há dias eu vinha pensando: "vou ver Palê onde ele estiver", agora que me recuperei de mais uma, "e iremos tomar aquele Yakult para comemorar tanta vida e novos voos". Em uma de nossas recentes conversas (ele também lia este meu blog), ele me mandou o link de um de seus textos, falando sobre Amor, uma de suas especialidades, e de uma maneira doce me contando sobre a condição que novamente enfrentava sempre com otimismo e fé na cura. "NÃO TEMOS O CONTROLE DE NADA, O IMPORTANTE É VIVER O MOMENTO PRESENTE. Fico feliz que a vida me deu e dá grandes oportunidades de vivê-la!!! Vivi e vivo cada momento intensamente. Isso faz toda a diferença." Palavras do mestre, que valem para tudo. O texto completo está aqui: Nota do Palê no Mielodramas

À família desse meu amigo tão, tão amado, (à família da qual ele veio e à imensa família que ele formou quando se doou aos outros de maneira única), dou meu coração, meu amor e estendo minha eterna gratidão por tudo o que ele me deu, pela fortaleza que construiu em mim e se fez especial e imprescindível. 

Obrigada por me emprestarem essa pessoa importante na minha vivência. Mando a vocês, como ele costumava desejar a mim e talvez a tantas outras mesmas pessoas que como eu o amam demais: Um grande beijo na testa e (cheio de exclamações) as melhores das energias!!!! 

sábado, 25 de outubro de 2014

Um lar de boas histórias e lembranças





Eu sou feliz. Mas sou intensa. Por isso, não sei sentir pouco, tudo o que faço é  com pensamento grande. Meu irmão, que bem me conhece, me vendo triste um dia por causa dessa minha intensidade, comentou uma frase que nunca mais esqueci: "Numa alma grande, tudo é grande."
Achei simpático. Um elogio e tanto. E como eu sabia que era verdadeiro, fiquei feliz na hora. 
Sou simples, me agradar exige muito pouco.
Acho que aprendi isso com o meu avô. Ele tinha um passarinho preto e todos os dias, quando eu ia a casa dele, eu passava a mão na crista do passarinho e ele adormecia de cair do poleiro. 
Meu avô, que foi a melhor alma que Deus me deu a oportunidade de conhecer na vida, o tirava da gaiola e dizia que não gostava dele lá, mas que já estava há tanto tempo que essa tinha virado a natureza dele. Ele o colocava na minha mão de menina, pequenininha, e a gente ficava conversando um tempão, sentados no chão do enorme quintal  daquela casa.
Enquanto eu o acariciasse, o passarinho continuaria dormindo. Ele trocava a chance da liberdade pelo carinho. Como muita gente faz. Acho que não enxergava o horizonte além da proximidade da gaiola. 
Mas realmente o ambiente ali era muito bom. A casa dos meus avós não tinha piso, era chão de tijolos socados e terra, embora fosse casa de material. No frio, era muito fria. Mas era um ambiente rústico convidativo. Ninguém se importava de sujar os pés de terra, porque o privilégio era ter abrigo. 
Para evitar a poeira, minha vó jogava água. Ficava um cheirinho de tijolo e terra que demorava a secar. E esse cheirinho, às 5 da manhã, se juntava à fumaça do café de coador de pano, quentinho, doce e ao sabor de moda de viola. O sol já ia entrando pelos fundos da casa, iluminando a cozinha e dando bom dia.
O colo do meu avô era o primeiro que eu procurava pra tomar café, limpar as gaiolas, trocar a água dos passarinhos, daquele canário-da-terra que era o xodó.
Eu brincava na oficina de consertos eletrônicos do meu tio e adorava quando ele fundia os fios, coisa que deve ter um nome, mas não me lembro. Achava lindas as faíscas, eram como estrelas que a gente podia ver bem de perto, embora não fosse recomendável.
Senti saudades quando ele foi pro Exército, mas adorava suas voltas porque sempre me trazia uma boneca porcaria, dessas de plástico, sem qualquer articulação. A preferida tinha cabelos compridos e negros feito uma índia, com roupas azuis.
Em frente à casa havia um banco feito com um tronco de uma árvore cortada há muitos anos. Como era arredondado e grosso, balançava. Ali virava ponto de encontro para as conversas com os vizinhos nas noites quentes. Enquanto isso, a criançada aprendia a andar de bicicleta até a outra esquina. 
A casa do meu avô ficava numa esquina da Osório de Souza com a Fernando Febeliano da Costa, ali na Vila Independência. Era uma das primeiras casas do bairro. Segundo minha mãe, ela era menina e tinha aquela e mais umas cinco, eram ruas de terra. Um único vizinho - guardada a proporção da distância da vizinhança, de quilômetros -, um japonês, era o feliz proprietário de um telefone. Luxo à época. Emergências e urgências, nesses casos, era para a casa dele que viajavam os vizinhos para poder usar o aparelho. 
Anos depois, já na década de 70, meu avô também tinha um aparelho. E me lembro, dotada de minha criatividade infantil, de pensar: "será que um dia os telefones não serão de discar e nem tão pesados assim?" Errar um número era triste, porque exigia nova discagem, machucar meus dedinhos naquele disco pesadão. E olha que hoje podemos até conversar com o aparelho que ele disca sozinho!!! Da hora a vida!!
Mas naquele tempo, nem se podia imaginar uma coisa dessas. Naquelas noites quentes em que a gente se juntava em frente à casa, lá por volta das oito da noite, chegava o seu Milton, um senhor bonitão, simpático e sempre aprumado, às vezes só, às vezes com a esposa. Guardava o Gordini - que depois virou Fusca - na garagem ao lado, fechada com um frágil portão de madeira. 
Eu brincava com a meia dúzia de irmãos pretinhos que moravam na vilinha mais adiante e com o neto da dona Alcinda. Aprendi a andar de bicicleta ali, naquela rua. Me sentia a mulher-maravilha e às vezes minha avó me improvisava uma capa. Lá, naquele cenário, eu tirei fotos em cima de cavalinhos, vi passar o palhaço na perna-de-pau divulgando a chegada do circo, fui à feira comer doce de leite de colher com minha avó, vi meu vô colocar piso cerâmico na casa toda, meus tios casarem, a casa ficar grande, as coisas mudarem e chorei quando ela foi vendida e demos adeus à oportunidade de novas histórias naquele lugar tão especial.
Às vezes passo por ali, mas o lugar já não é mais o mesmo. Não foram as reformas, mas é que qualquer casa só se torna lar pela presença do amor entre os que vivem nela. Meu avô já se despediu de nós, vovó partiu esta semana, meus tios tomaram outro rumo, a vizinhança mudou.
Hoje tenho meu próprio lar e nele escrevemos, eu e minha Maria, nossas boas histórias. É nosso abrigo, nosso templo, nosso cantinho, nosso ninho. É nosso, porque nele estamos. Tento, dentro das possibilidades que a vida moderna nos oferece e do espaço que temos nesse nosso lugar de viver, que seja um abrigo de boas lembranças que no futuro nos impregnem dessa sensação de paz que sinto agora ao rememorar essa fase da minha infância. Dá vontade e fecho os olhos para ir caminhando por entre aqueles sorrisos.
Parafraseando o Roberto, das lembranças que eu trago na vida, essa é uma das saudades que eu gosto de ter. Assim, sinto todos bem perto de mim outra vez. 

domingo, 9 de setembro de 2012

Conversinha necessária pra aceitar as coisas como são


Não é como uma onda que apaga o que a gente escreveu na areia...

Hoje fui buscar em um texto primoroso do português  Miguel Esteves Cardoso, as palavras que conversaram melhor com meu coração. E as achei perfeitas,por isso compartilho com vocês. Na verdade, eu não as busquei. Eu busquei minha amiga Fabiane e ela me deu esse Miguel. Providencial. Meu coração oscila entre paciente e imediatista, quer amar, mas quer esquecer, sente-se emocionalmente feliz, mas realista demais, não consegue um equilíbrio, parece que perdeu a adolescência da loucura das realizações, sem ligar que sejam efêmeras. Parece um velho com medo de sofrer. Parece estar perdendo a malemolência de conquistador. Pare com isso, coração! Não subestime o lugar em que você vive.


Como esquecer (e nunca esquecer...)


Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa, como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já não está lá?

As pessoas têm de morrer, os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar. Sim, mas como se faz? Como se esquece?

Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas!

É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou de coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguém antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso primeiro aceitar.

É preciso aceitar esta mágoa, esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados, se tivessem apenas o peso que têm em si: isto é, se os livrássemos da carga que lhe damos, aceitando que não tem solução. Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença do que se padeceu. Muitas vezes só existe a agulha.

Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado.

O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças, na esperança de ele se cansar.

Porque é que é sempre nos momentos em que estamos mais cansados ou mais felizes que sentimos mais a falta das pessoas de quem amamos? O cansaço faz-nos precisar delas. Quando estamos assim, mais ninguém consegue tomar conta de nós. O cansaço é uma coisa que só o amor compreende. A minha mãe. O meu amor. E a felicidade faz-nos sentir pena e culpa de não a podermos partilhar. É por estarmos de uma forma ou de outra sozinhos que a saudade é maior.

As pessoas nunca deveriam morrer, nem deixarem de se amar, nem separar-se, nem esquecer-se, mas morrem e deixam e separam-se e esquecem-se. Custa aceitar que os mais velhos, que nos deram vida, tenham de dar a vida para poderem continuar vivos dentro de nós. Mas é preciso aceitar. É preciso aceitar. É preciso sofrer, dar urros, murros na mesa, não perceber. E aceitar. Se as pessoas amadas fossem imortais perderíamos o coração. Perderíamos a religiosidade, a paciência, a humanidade até.

Há uma presença interior, uma continuação em nós de quem desapareceu, que se ressente do confronto com a presença exterior. É por isso que nunca se deve voltar a um sítio onde se tenha sido feliz. Todas as cidades se tornam realmente feias, fisicamente piores, à medida que se enraízam e alindam na memória que guardamos delas no coração. Regressar é fazer mal ao que se guardou.

Uma saudade cuida-se. Nos casos mais tristes separa-se da pessoa que a causou. Continuar com ela, ou apenas vê-la pode desfazer e destruir a beleza do sentimento. As pessoas que se amam mas não se dão bem, só conseguem amar-se bem quando não se dão. Mas como esquecer? Como deixar acabar aquela dor? É preciso paciência. É preciso sofrer. É preciso aguentar.

Há grandeza no sofrimento. Sofrer é respeitar o tamanho que teve um amor. No meio do remoinho de erros que nos revolve as entranhas de raiva, do ressentimento, do rancor temos de encontrar a raiz daquela paixão, a razão original daquele amor.

Para esquecer uma pessoa não há vias rápidas, não há suplentes, não há calmantes, ilhas das Caraíbas, livros de poesia - só há lembrança, dor e lentidão, com uns breves intervalos pelo meio para retomar fôlego. Esta dor tem de ser aguentada e bem sofrida com paciência e fortaleza. Ir a correr para debaixo das saias de quem for é uma reacção natural, mas não serve de nada e faz pouco de nós próprios.

A mágoa é um estado natural. Tem o seu tempo e o seu estilo. Tem até uma estranha beleza. Nós somos feitos para aguentar com ela.

Podemos arranjar as maneiras que quisermos de odiar quem amamos, de nos vingarmos delas, de nos pormos a milhas, de lhe pormos os cornos, de lhe compormos redondilhas, mas tudo isso não tem mal. Nem faz bem nenhum. Tudo isso conta como lembrança, tudo isso conta como uma saudade contrariada, enraivecida, embaraçada por ter sido apanhada na via pública, como um bicho preto e feio, um parasita de coração, uma peste inexterminável barata esperneante: uma saudade de pernas para o ar.

O que é preciso é igualar a intensidade do amor a quem se ama e a quem se perdeu. Para esquecer é preciso dar algo em troca. Os grandes esquecimentos saem sempre caros. É preciso dar algo em troca. Os grandes esquecimentos saem sempre caros. É preciso dar tempo, dar dor, dar com a cabeça na parede, dar sangue, dar um pedacinho de carne.

E mesmo assim, mesmo magoado, mesmo sofrendo, mesmo conseguindo guardar na alma o que os braços já não conseguem agarrar, mesmo esperando, mesmo aguentando como um homem, mesmo passando os dias vestida de preto, aos soluços, dobrada sobre a areia de Nazaré, mesmo com muita paciência e muita má vontade, mesmo assim é possível que não se consiga esquecer nem um bocadinho.

Quanto mais fácil amar e lembrar alguém - –uma mãe, um filho, um amigo, um grande amor –- mais fácil deixar de amá-lo e esquecê-lo.

Raio de sorte, ó lindeza, miséria suprema do amor. Pode esquecer-se quem nos vem à lembrança, aqueles de quem nos lembramos de vez em quando, com dor ou alegria, tanto faz, com tempo e paciência, aqueles que amamos com paciência, aqueles que amamos sinceramente, que partiram, que nos deixaram, vazios de mãos e cheios de saudades, esses doem-se e depois esquecem-se mais ou menos bem.

E quando alguém está sempre presente?

Quando é tarde. Quando já não se aguenta mais. Quando já é tarde para voltar atrás, percebe-se que há esquecimentos tão caros que nunca se podem pagar.

Como é que se pode esquecer o que só se consegue lembrar?
Aí está o sofrimento maior de todos. O luto verdadeiro.
Aí está a maior das felicidades.

Um beijo! 

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Te amo pra cachorro!

"O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis" (Fernando Pessoa)
Estou observando uma cena bem triste. É o fim de uma vida que esteve ligada a mim por 10 anos. Minha Anita Querida está se despedindo e parece não haver o que fazer, senão esperar que o tempo se encarregue de ser leve com ela. E comigo, porque estou sofrendo também.
Me lembro quando a escolhemos (eu, o Xande e a Mari), entre tantos outros cãezinhos, numa jaula de uma feira ridícula (dessas que vc não vê a hora que acabe porque ver os animais como produtos ali não é muito legal) no estacionamento do supermercado Extra. Optamos por ela, que era super pacata, mesmo sobre a pressão dos comentários de que o Cocker é um cão que dá bastante trabalho, come coisas e faz muita bagunça.
Seu nome era Celeste Clair, na porcaria do pedigree que nunca serviu pra nada. Ela tinha índole, isso que importava. Aprendeu tudo rapidamente, com paciência e amor de nossa parte. Nunca com agressão, jamais. Parecia ensinada... melhor, parecia que falava nossa língua. E só faltava isso mesmo. 
Um cão compreensivo, inteligente e bom como esse, só poderia ter sido de minha família mesmo, que é cheia de amor.
Suas bagunças eram deliciosas, divertidas; quando corria atrás de pássaros ou qualquer coisa que se movesse e se transformasse em um desafio, aquelas orelhas gigantes de Dumbo balançavam de uma forma que parecia que ia voar. Era muito engraçado. Eita, baguncinha boa!
Só tive uma filha minha, além da Jéssica que criei com o mesmo amor, mas minha casa sempre foi cheia de crianças, minha vida sempre foi cheia de infância. As crianças que frequentavam minha casa, muitas mesmo, sempre, graças a Deus, hoje todas mocinhas como minha Mariana, minha Jéssica, tinham a Anita como mascote. As fotos, ainda de papel, são a prova de que a turminha era muito boa... e encapetada também, graças a Deus! A infância tem esse sabor de aprontar boas malvadezas acompanhadas de um bom cachorro que late muito, enquanto voa. Na infância, a gente também tem o poder de voar e que pena de quem permite que isso se perca com a idade.
Hoje estou muito triste porque vi meu amor, minha cachorrinha, agonizando, e minha condição de ser humano poderoso se esvaindo e totalmente inferiorizada diante da minha limitação. Acabei de chegar do veterinário, onde a deixei pra ser melhor cuidada. Doeu bastante, ela ficou lá, como um pedacinho de nada, sobre o colchãozinho aquecido. Mas sei que está em boas mãos, aqueles meninos da Pata Livre foram demais, boa orientação, boas conversas nada a ver pra me acalmar.
Estou me acostumando com a ideia da despedida. Amanhã pode ser o dia da eutanásia, é provável pelo estado dela. Terei muita dificuldade pra isso, nem consigo dormir de pensar. Difícil pela perda, difícil por minha crença na espiritualidade, difícil pelo encontro com o vazio dentro de mim que isso irá provocar. Sempre condenei o impedimento da continuidade da vida, mesmo apesar da dor, que também é a condição de cada um na terra. Mas diante do que vi, despedir-me dela promovendo a oportunidade de não deixá-la mais sofrer dessa forma, estou encarando como uma prova de meu amor, gratidão pela felicidade que me trouxe em 10 anos e respeito à dignidade e tranquilidade de alguém tão importante em minha vida.
Nela depositei (sei que erroneamente, mas isso é coisa minha) a expectativa de meu segundo filho. Por aquele olhar, via a doçura do olhar reencarnado de meu avô, que tanto amei (um olhar que só eu entendo, mas que o Xande, sempre amoroso e compreensivo com minha liberdade de ideias, também dizia encontrar... depois dava um risinho do tipo: só vc mesmo, Dani! rs Pra que me contrariar? rs Ele prefere ser feliz do que ter razão, porque é sábio e generoso).
Que bom que a vida é feita de lembranças pra que a gente se acolha nelas e se fortaleça pra seguir em frente. O melhor de tudo é acreditar que, no resultado do fazer o bem aos nossos, está a verdadeira missão. A gente se sente mais leve. Mesmo quando envolve muita tristeza, mas ter fé é acreditar que tudo passa, porque temos a imensa e divina capacidade da superação. 
Só que a casa ta mais vazia agora...


NOTA: Nossa Anitinha se foi essa madrugada. Todos os animais vão para o "céu". =(




Que bonita minha Anitinha. Olha as orelhas de Dumbo!! rsrsrs